Processo Colaborativo X Criação Coletiva


Para se entender melhor do que se trata o Teatro Colaborativo é necessário se entender primeiramente dois métodos de criação cênica: criação coletiva e processo colaborativo.
A criação coletiva surgiu na década de 60 influenciada pelo movimento de contracultura da época e questionou os padrões clássicos teatrais, como a figura do diretor, do dramaturgo e dos textos teatrais. (FISCHER, S., 2003, p. 165). Diante disso, ela pretendeu acabar com as hierarquias e os papeis dominantes nos grupos teatrais e trabalhar com textos originais criados pelo coletivo (a partir de improvisações e experiências dos atores do grupo).
O primeiro espetáculo registrado pautado na criação coletiva é o Paradise Now (1968) do grupo norte americano Living Theatre. O grupo surgiu em 1948, no movimento off-off-Broadway com influências do Teatro da Crueldade de Artaud e de Bertolt Brecht, por sua ligação com a crítica marxista e preocupação política. (SILVEIRA, E., 2011, p. 5).
A criação coletiva chegou ao Brasil na década de 70 com a vinda do grupo Living Theatre convidado pelo Teatro Oficina. O intercâmbio de experiências e técnicas entre os grupos inspirou o Teatro Oficina a montar o espetáculo Gracias, Señor em 1972. Explica Stela Fischer:
"Com a criação coletiva Gracias Señor, inicia-se a fase de radicalização da criatividade e interferência social do Oficina. Com duração de oito horas, o espetáculo era apresentado em  duas sessões em dias consecutivos. O texto-roteiro do espetáculo foi elaborado coletivamente, a partir de colagens de diferentes fontes textuais, das improvisações dos atores e das evoluções espontâneas durante a apresentação. Alteraram-se os valores de criação em grupo, delegando ao conjunto a autoria do ato cênico."¹

Para relacionar melhor a criação coletiva e o processo colaborativo, vale mencionar duas formas distintas do primeiro processo: a "anárquica" e a "democrática". (PEIXOTO, F., 1993 apud FISCHER, S., 2003, p. 15 e 16). Na primeira, não há líderes (autor, diretor, etc.), todos no grupo possuem a mesma importância e devem contribuir igualmente para o espetáculo, vertente utilizada para a montagem dos espetáculos Paradise Now (1968) e Gracias, Señor (1972). Já na segunda, as funções e divisões de tarefas são mantidas, podendo haver responsáveis pela organização e coordenação do espetáculo. É nessa última que o processo colaborativo se baseou.
Na década de 80 houve a valorização do diretor no teatro, o qual apropriou as funções de dramaturgo e/ou dramaturgista. Diante disso e do caráter "caótico" e "desordenado" da criação coletiva, considerados pela maioria, o termo começou a ser usado de forma pejorativa e os grupos teatrais voltaram a definir as funções de cada indivíduo no processo, retornando à ordem, como aponta Eduardo Silveira:
“A década de oitenta é marcada pela aversão ao que era pesquisado na criação coletiva. Muitos achavam que os espetáculos feitos nesse molde eram, em sua maioria, fragmentados, mal organizados, sem sentido, antiestéticos, e etc., concretizando uma posteridade ditatorial, onde o diretor, encenador, era quem idealizava e construía o espetáculo. A posição central da criação passa do ator para o encenador."²
O processo colaborativo da década de 90 é, portanto, um processo de criação pautado nos ideais coletivos, mas realizado por um grupo em que, ainda que tênues, as linhas que indicam as funções de cada indivíduo são visíveis. Além disso, as figuras do dramaturgo e do diretor são mais definidas, visto que eles serão necessários para organizar, estimular e ordenar os atores e para registrar e selecionar fatos para a história da peça durante o processo de criação.
Outro ponto que vale destacar é a figura do dramaturgo nos dois processos. Na criação coletiva o dramaturgo é inexistente, o texto teatral é criado pelo grupo a partir de seus exercícios cênicos e improvisações e, quando registrado, é assinado pelo grupo. No processo colaborativo há um indivíduo com a função específica de anotar o que foi produzido nos ensaios e encadear as ideias discutidas em um texto, podendo ainda fornecer os tópicos e histórias específicas para influenciar a criação; esse dramaturgo é quem assina o texto. 
Para concluir, é importante deixar claro que cada grupo trabalha de uma maneira específica e isso será mostrado em futuras postagens aqui no blog, ou seja, muitos grupos denominam seus processos como coletivo ou colaborativo, mas adaptam e alteram diversos aspectos desses processos para atender aos interesses do grupo e às necessidades do espetáculo.

                                                                                                                                                Iasmin Rios
¹(FISCHER, S., 2003, p.12).
²(SILVEIRA, E., 2011, p. 6).

                                                                                                        

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